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Era uma vez Deus, andava a passear entre as colinas quando de súbito viu gente, as suas criaturas. Desceu para ver como estavam, como andavam, e ao princípio não o reconheceram, acharam-no um estranho, um desestabilizador intruso. Mas ele olhou e curou os enfermos, fez rir os pobres de espírito, e a todos deu uma visão do céu, luminosa e límpida. E eles então, ao fim de algum tempo, reconheceram-no como Deus, ajoelharam-se, e em todo o seu corpo desenharam mentalmente longas figuras que lhes pareciam belas, como para enfeitar o ser perfeito, e dar-lhe ainda mais harmonia, mais parecida com a do seu dia-a-dia.

Pediram-lhe para ele ficar, e ele ficou um pouco. Então criaram-lhe um altar, disseram-lhe as palavras perfeitas e repetiam tudo o que ele dizia. Se ele curava um doente com “ai” então o “ai” passava a ser uma palavra sagrada, e assim tudo o que dizia e fazia, ficava emoldurado em figuras, livros e recitais. Era o herói daquela gente. E ele olhava para a erva, para as árvores e matagais, absorvia o suave perfume do rio, e não compreendia como todo o universo o amava, mas os homens apenas faziam imagens dele.

Continuou a fazer bens e milagres, mas arranjou um sósia para o seu lugar. No seu posto tinha agora um espantalho, mas muito bem feito, que repetia as lenga-lengas que os homens lhe ensinavam e esperavam, enquanto ele caminhava incógnito pela cidade, com outra cara mas o mesmo olhar, o mesmo amor. As pessoas, essas eram cegas ao amor que emergia de si, a aura que se espraiava ao seu redor e que, em comunhão com todas as coisas, cantava louvores a toda a criação, como se esta fosse a própria pele do criador, o próprio amor tornado parcialmente visível, à espera que algum olhar o visse todo e sorrisse.

Depois Deus foi-se embora, cansou-se das lenga lengas tagarelas. Ao luar ouvia apenas a voz distante dos cactos que cantavam, desde o início dos tempos, o Esplendor do Universo.

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