Estive a pensar numa frase que li há pouco tempo:
Se voltares as costas à luz, nada verás… além da tua sombra.
É engraçado pois precisamente uma sombra é o que não consegue existir sem relação. Quando estou a olhar para a sombra sou incapaz de reconhecer o meu próprio movimento sem qualquer coisa que a reflicta, sem um corpo que seja a expressão visível do meu movimento noutra esfera. No entanto, se em vez de atentar no corpo focar a minha atenção no nascimento do próprio desejo, terei em mim próprio a base para poder dizer se me movo ou não, independentemente do que o exterior me diga a esse respeito.
Aplicando isto a uma situação prática: se estiver à espera que as pessoas me digam se gostam ou não do que faço, o significado dos meus movimentos, escolhas e decisões, tudo isso só terá valor para mim através dos olhos das outras pessoas. No entanto, se em vez de olhar para os olhos dos outros, me centrar no meu próprio movimento criativo, poderei dar um soco em alguém, amar, discutir, partir, voltar, ceder, ser intransigente, fugaz, veloz, frágil, duro, pesado, e saberei sempre porque e para que o faço, independentemente dos olhos dos outros, terei o meu olhar que parte de uma base interior, sólida ou fugaz não sei, mas capaz de me dizer onde estou e para onde vou e se sonho o meu sonho ou se estou a caminho…
E mesmo sem mundo exterior teria ‘isso' para me guiar (mesmo que pela escuridão total).
p.
PS - sobre este assunto há também os textos: Herói e Culpa e Liberdade. Este texto foi despoletado por algo que se falou numa aula de Kung Fu sobre o confinamento: " Há dias falámos nas aulas do confinamento, mais precisamente o Guilherme disse que tinha de haver sempre um confinamento. A mim parece-me que esta cena é um bocado misteriosa, quer dizer, imaginem que não havia nenhuma parede, nenhum obstáculo, como é que eu podia saber que tinha mexido a mão? Ou seja, se não houvesse nenhum limite/referência (no vazio absoluto) como poderia haver movimento? O mesmo se passa a nível espiritual, mas é assim, será que não pode haver um ser, ou um modo de existência, que não seja estar em relação com algo? Não será isso precisamente de que estamos a falar quando falamos do estado no-mind, etc, ou seja, não será precisamente este NADA a criatividade pura capaz de (se) criar (a si) mesmo na ausência de um qualquer confinamento, a partir do nada absoluto?? "