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O diabinho endiabrado veio ter comigo e disse-me, «vou-te comer as pernas»
Olhei para ele e tinha um rosto
O seu corpo era ardente
Cor da neve em chamas
Mas por detrás da cara desfigurada
Havia uns olhos cor de papel
Cor de leão
Onde abundava abundante vida, para lá de toda a explicação
E disse-lhe «come-me, vamos, vá-lá, amo-te tanto...»
O diabinho endiabrado ficou surpreso, como em estado de choque, mas afiou as garras de contente e disse
«não acredito que me vás deixar-te comer, mas aqui vou, deixa-me então espetar a primeira garfada»
E preparou-se...
Estendi-me para ele, como o amante para a amante, ou a amante para o amante, e os meus olhos sorriam-lhe
como se naquele gesto lhe oferecesse a lua e as estrelas
E então ele olhou para mim
e compreendeu
que muito mais que os meus ossos iria absorver a minha alma
que ela era toda para ele
que lha dava
não só de livre vontade
mas por amor
por Ele / para Ele
tudo, toda a minha vida
para que ele/Ele sorrisse
O diabinho endiabrado
Que não fazia senão matar
Roubar
Pilhar
Assassinar
Malévolo e Rancoroso
Mordaz e Sádico
Tudo o que podem imaginar de mau
Ele era
ele Era
E nos seus olhos de papel
Via-se brincar um tempo já sem tempo
Como se de um espelho sem reflexos se tratasse
E no meu espelho o seu espelho viu
Sem ver
E chorou
Sem chorar
Porque compreendeu que era amado
E, sem largar a faca
Abraçou-me
Preferiu comer a alma
Porque os ossos
Não alimentam assim tão bem...
p.