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Oi Guilherme, só uma pequenina achega em relação a viver dividido.

Eu vivo dividido entre aquilo que gosto de fazer e aquilo que os outros precisam. Se eu só fizesse aquilo que gosto provavelmente ficava o dia todo a ler e escrever, a ver televisão e a ouvir música (agora que penso nisso, acho que é o que tenho feito desde miúdo), e à noite estar com os amigos. Agora, há muitas pessoas com fome no mundo e com todo o tipo de necessidades, e eu penso que os privilégios que tive em termos de uns pais que me amaram, de conhecimento e tempo para pensar e outras coisas devem ser postas ao 'serviço dos outros'.

Agora quase toda a gente deve estar a pensar que o problema tem uma solução simples: 'Vai trabalhar Vagabundo!', mas não é assim tão simples. Eu já trabalhei num banco, num Palácio, num jornal, numa editora, entre outras coisas, e até agora acho que em todos esses empregos que tive, a minha contribuição (ou retribuição) para a sociedade era tão minúscula (é mais tipo 'comerem-nos vivos' que outra coisa) que faço melhor em trabalhar a minha escrita e leituras, talvez um dia possa escrever um livro ou algo assim, e contribuir assim mais para a sociedade do que com o meu esforço num emprego 'normal'.

Em todo o caso a divisão existe sempre, porque nunca são exactamente aqueles temas que eu gostava de trabalhar, aqueles livros que gostaria de ler, ou aquela escrita... há sempre uma inflexão, uma divisão, e a ponte nem sempre (ou só raramente) se faz. Por isso vivo dividido, acho que só num mundo onde ninguém passasse fome (a vários níveis) eu conseguiria ser também feliz e fazer tudo aquilo que quero sem 'pesos na consciência'.

Enfim, sinto-me culpado por não conseguir espalhar os privilégios que tive para os outros. Alguém disse numa entrevista que li recentemente "There is one rich person because there are ninety-nine poor people. I don't think a culture can exist in any other way." Acho isso tremendamente injusto. Seria melhor não haver cultura nenhuma e vivermos todos como o Jomba em África, acontece que as pessoas são diferentes e têm necessidades diferentes... Enfim... tudo isto é muito complicado.
To'a, p.

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