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No fundo do canal, há noite, uma nortada
De vento fez-me acordar.
Havia dias que não bebia nem comia
E o meu estômago estava a roncar...

Pelo chão latas de atum vazias
As memórias dos pobres bichos ainda a pairar
Mas o que me atraiu a atenção
Foi aquele cabelo da Fátima Felgueiras
Que a mim veio parar.

Cabelo, cabelinho, cabelão,
Mais não digo porque já acharão
Que a piada de tamanho encontro
Não era tanto o cabelo mas uma
Lagarta que por ele passeava.

Mil patinhas, ou seria duas?,
Que andavam a fustigar,
Cabelo, terra, planta,
Há milhões de anos a tragar.

Mil milhões de anos, eis os anos
A que estas lagartinhas andam a procriar,
Mil milhões de anos comendo flores e plantas
Sob um céu mais velho ainda
Ao pé do mar.
Milhões de anos, remexendo,
À procura, de um sítio bom
Para procriar.

Nesse cabelo / pintelho
Que agora tinha nas minhas mãos
Mil milhões de células, moléculas,
Átomos, quarks, falavam do esplendor
do Universo.

Perguntei então,
Como é que alguém
Tão sujo e feio
Como a Fatinha,

Pode estar vestida deste
Corpo Encantador.

Como pode uma simples Fatinha
Ser traçada de quarks multicolores e de múltiplos sabores?

Será a Alma mais feia que o Corpo?
Uma árvore mais bela que o amor?
O Criador enganou-se?

Ou será aquele cabelo
(ou pintelho, se assim lhe quiserem chamar - que eu não sei)
Tão belo e mágico como a Alma da Fatinha?

Na noite resplandecente
Reflectida na lata de atum
(agora vazia)
Respirei o sabor da minha ressaca:

Milhões de mundos
Navegando
Ondulando,
Estilhaços
Sem caber
Na minha mente

Olhei o céu e disse:

Que este cabelo / pintelho

Seja o começo de um novo poema,


Que o meu Amor
Seja o começo de um novo dia!

Abraço, do vosso tresloucado: p.