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Este texto é dirigido ao pintassilgo azul e cinzento com quem partilhei a minha cela há muitos anos atrás. Como ele não me pode ouvir, partilho com vocês:


Há a morte literal, do corpo, e essa vê-se…

Depois há a morte aparente, do eu, que é quando te usamos como capachinho, quando te prendemos para ouvir a tua música, quando te fazemos suar para alcançares os males dos teus pecados, do que negaste, e essa sofre-se…

E depois há a morte real, do ego, e essa não se vê…

   mas nutre a Vida, o Novo, em cada pequena coisa…

A morte física não muda a lua, nem os medos, nem os desejos, nem a máquina que nos faz andar, e a morte do eu é o mero adiar da mudança.

Mas, metidos na vida, estamos destinados à imortalidade, porque, cada gesto que fazemos, terá consequências até ao fim dos tempos, e será amplificado, milhares, milhões de vezes.

Olha para a minha face, pintassilgo, o que representa ela?

2 pais, 4 avós, 8 bisavós… se remontarmos à vigésima geração contamos 2 milhões noventa e sete mil cento e cinquenta ancestrais. Em apenas 40 gerações foram necessários mais de 2 mil milhares de milhões de orgasmos para fazerem a cara de qualquer pessoa que agora vemos na rua. Bastava que apenas UM desses biliões de orgasmos se tivesse apagado em qualquer pensamento menos extático e hoje tu e eu não existiríamos! Tu e eu somos esse fruto, de todos os incontáveis milhões de orgasmos e pensamentos extáticos, de suor e de vingança e de amor; de todas as coisas comidas e todas as esperanças perdidas e aventuras vividas em milhares de gerações…

E cada gesto de agora, cada mudança de direcção, cada piar, cada vez que batemos as asas, ou pomos o pisca, aceleramos e passamos à frente de alguém, estamos a imprimir o nosso gesto na Eternidade. E por isso (pelo menos) somos eternos. Não as palavras, mas os gestos e as suas consequências que trilharão, entrelaçados, o seu gigantesco caminho até ao fim do tempo.

Há quem diga que andamos às costas de gigantes, mas talvez sejam milhões de formigas, que todas juntas, formam hoje o mundo para o qual hoje olhamos, do qual compreendemos apenas a sua superfície aparente e minúscula.

Metidos na vida somos produtos e produtores. De todos os pais e mães que nos geraram, e de todos os gestos que fazemos e que serão pais e mães de outras tantas cadeias de acontecimentos. Mas qual é o nosso papel nisso?

Porque desejas o que desejas pintassilgo?

Sexo, alimentação, prazer, entendimento, compreensão, Deus? Vem de ti, ou virá de alguma programação bem escondida entre os genes, a cultura, os teus amigos?

Diz-me, quem és tu? Quem és tu?

Porque fazes o que fazes, porque queres o que queres, porque lutas pelo que lutas, porque tens medo do que tens medo? Serás apenas uma mera máquina: olha nos meus olhos: Serei eu apenas uma mera máquina?

O que é o amor, o sentimento, a dor…? Que visão é essa que trazemos no coração e na alma, de almas e países distantes, de rios e lagos que nunca vimos, de belezas que ultrapassam de longe o que pudemos algum dia compreender? De onde vem essa Beleza que tanto procuramos (re)encontrar nesta Terra? De onde vem essa visão???

E de onde vem o amor?

Para lá da Vida, querido pintassilgo, meu muito querido pintassilgo…, está um outro Cosmos, para lá desta consciência está uma outra consciência. Não a consciência dos factos, das relações de causa e efeito desta vida, não das obrigações e dos desejos compulsivos, do querer e do dever ser; mas da Visão, da Presença.

E, a partir dessa Visão, poderás ser Livre.

Sem Ego que te prenda aos desejos e às vitórias, serás Tu…, a lidar com os desejos e as vitórias…, fazendo deles o quadro onde pintas o teu Sonho… em vez de seres o seu papagaio dançante ao vento. Não perguntes “porquê?”. Tu és a razão suprema desse porquê, Rei de um paraíso escondido na tua alma onde poderás desenterrar os sonhos mais belos que quiseres imaginar.

Morrer, realmente, a morte do Ego, essa é a porta para a Liberdade.

Não mais ser uma peça da máquina, da engrenagem,

É sair do Matrix, Voar!

Percebe, meu muito querido pintassilgo, que dentro de nós está um outro princípio de acção, que não nos obriga mas nos inspira, que não nos causa sede mas nos enche de luz,

Para lá da Vida está a Morte

E para lá da Vida e da Morte

Estás tu e eu

E tu e eu somos um só.

Voa! Agora!! E eu voarei contigo, para um mundo para lá do Destino e da Dor, onde faremos belas músicas, viajando por sons e palavras que são pertença de todos!!!
Até já pintassilgo, até sempre, não te dei um nome mas, muito mais importante que isso, moras no meu coração!

Imperfeitamente, mas com Alegria,
Vosso,   ^_^    .p.