Lunch simboliza, não apenas as mulheres reprimidas, mas todas as pessoas reprimidas, que levam uma vida dupla, por um lado muito boazinhas (servem de almoço/querem almoçar), querem sempre agradar aos outros, etc , por outro lado, o seu verdadeiro ser rebela-se e demonstra-se em explosões de fúria. Mais uma vez o tema central do DragonBall , a espontaneidade com consciência (visão), do Sangoku , permite uma vida feliz, tudo o resto são prisões, mais ou menos abertas e com consequências mais ou menos explosivas ou ensurdecedoras.

 

No filme, as mulheres (ou as pessoas mais reprimidas) são aceites porque permitem aos outros concentrarem-se mais seriamente nos treinos. Mas só alguns pensam assim, Sangoku parece não importar-se muito com isso. No fundo as relações de poder não são necessárias. Só para alguns que querem ‘ apoiar-se' nos outros. As relações de dependência são sempre mútuas. Basta um não querer para elas estilhaçarem.

 

Este episódio é sobretudo sobre a diferença entre discípulos. No fundo há não dois mas três discípulos retractados. A Lunch que se oferece inicialmente, mas que só funciona no modo subordinado/mandona – vai portanto fazer a comida – não serve para o Tartaruga Genial. No entanto, este tipo de treinos aparece de raspão noutros episódios do DragonBall .

 

Agora, a diferença principal a ser focada vai ser entre Sangoku e Krillin . A diferença principal é esta: enquanto Sangoku está preocupado com o próprio treino, Krillin procura o reconhecimento dos outros. Procura ser o melhor aos olhos dos outros, enquanto Sangoku procura apenas ser melhor . Para Krillin o mais importante é que o mestre o considere bom, e ser conhecido internacionalmente. Sangoku aproveita ( enjoy ) o treino, quando se sente cansado procura continuar porque isso lhe traz à memória a sua família. São sempre altos valores (o do enjoyment do dia, da reconciliação com os antepassados, do melhorar a si próprio, etc ) que o guiam. Assim, as suas competições são sempre justas, não procura vencer só por vencer mas medir as suas forças reais com os outros, de modo a poder progredir. Reconhece facilmente quando alguém é melhor que ele (ao contrário de Krillin , cuja faceta alterna entre subordinado e mandão, tal como Lunch ) e tenta aprender com isso.

 

No fundo, quem se submete, submete para mandar. Os insubmissos são apenas independentes. Mas podem ter dificuldade em relacionar-se?

 

A grande faceta da submissão, ou a chave que abre as portas à submissão, é a mentira. Alguém que nunca minta, nem em relação aos seus objectivos, nem aos seus propósitos ou estratégias, nem aos pensamentos, nem às crenças, nem aos sentimentos, não se submete. Ao submeter-se fá-lo para ser aceite ou para aceitar. Entra-se então numa relação em que é mais importante aquela relação entre as pessoas do que a realidade. Ou seja, a realidade é sacrificada em função daquela relação. Isso acontece muitas vezes porque as pessoas pensam que o mundo é um lugar frio e inóspito e a única coisa que nos pode fazer suportar a nossa existência é a companhia uns dos outros (como o Carl Sagan diz no Cosmos).

 

No entanto, por mais que as pessoas submetam os seus sonhos para terem a companhia de outros, haverá sempre uma pontinha de rebeldia, de angústia, que, de tempos a tempos virá mais ou menos ao de cima (ao nível da consciência, da relação com os outros, etc ).

 

O mais engraçado, quanto a mim, é que, pelo contrário, é ao aceitar a realidade, e só aí, que temos verdadeiramente a companhia dos outros, porque só aí os compreendemos verdadeiramente. Por outras palavras, podemos estar casados com uma pessoa durante anos e anos, e não a conhecer. O Sangoku vê uma pessoa e reconhece logo os seus medos e anseios mais profundos, é capaz de prever os seus movimentos e de antecipar os seus desejos, sentir as suas vontades e movimentos mais íntimos. Isto é ter companhia, não a companhia da família, mas a companhia da Família (todos nós e tudo o que nos rodeia). É por isso que se vê Sangoku , no início do genérico a voar na sua nuvem num céu limpo e todo azul, ele está em contacto, em comunhão, com o que o rodeia. (Outra cena que se nota, é a relação de Krillin com o mestre, é que Krilin não entende verdadeiramente as motivações ou interesses genuínos do mestre. Serve-se dele para aprender mais, mas interrompe-o nos momentos menos oportunos, como quando ele observa Lunch deliciado com as suas formas e Krillin entra com a pedra. Há um desfasamento completo entre ambos.)

 

Depois há a cena da justiça. O que é justo afinal? Sangoku diz a Krillin que não é justo que ele lhe roube a pedra, ao que Krillin responde, ‘cada um faz o que pode, todos os golpes são permitidos' . Ora aqui há um problema, será que se trata simplesmente de diferentes concepções de justiça, ou será que há uma concepção universal de justiça ( Krillin não pode roubar a pedra e portanto merece ser castigado por isso). No primeiro caso Krillin foi simplesmente mais esperto, é o código de honra dos ladrões que vêm nas leis da sociedade o sinal da sua debilidade geral, feita para os mais fracos e estúpidos (que precisam das regras para sobreviver em vez de se confrontarem abertamente e com todos os seus recursos). No segundo caso Krillin traiu as motivações mais fundamentais do seu treino, porque não se trata de ganhar com truques, mas de ganhar visão e poder…

 

Sangoku responde ‘está bem' . Ele aceita a concepção de justiça de Krillin , as novas regras são as de que ‘tudo é permitido' . Mas também teria aceitado quaisquer outras regras. O seu objectivo não é jogar um jogo particular, mas simplesmente jogar, e tentar vencer. Assim aproximar-se-á daquilo que procura: brincar/viver.

 

 

Outra coisa é o ‘elevar-se acima do humano' . Mas acho que essas técnicas não são mostradas aqui, mas ao longo de toda a série (sobretudo nos ensinamentos a partir do gato). Em todo o caso, é pelo contacto com o humano ( Lunch e Krillin ) que nos ‘elevamos acima do humano' .