Kung-Fu Toa

Nem tudo o que vem do Oriente é bom (nem é mau!) em si..., mas este maravilhoso estilo marcial de tão desafortunada como desconhecida história é, sem dúvida, algo de muito especial para que a nossa revista lhe não deixe de prestar atenção. A primeira coisa que chamou a minha atenção no Kung-Fu Toa foi a força dos seus movimentos e a estética que se percebia, muito diferente de outros estilos, como suporte de uma maneira muito peculiar de entender as técnicas. Isto tornava-se muito patente no seu trabalho no chão e, desde já, nos seus pontapés. A força conduzida ao impacto é apoada desde toda a estrutura corporal, de modo que é frequente observar as suas muito características contorções desde o pescoço até à zona de batimento. É uma Arte Marcial bela e muito exigente. As suas formas, extremamente compridas e complexas, são um verdadeiro exercício e bem-fazer marcial, uma prova para qualquer praticante. Velocidade, pontualidade de energia, vigorosa respiração; Sem dúvida, estamos perante um tipo de trabalho sofisticado e complexo, que nada tem a invejar dos outros estilos, muito mais conhecidos no Ocidente. A inclusão do termo Kung-Fu resulta pouco esclarecedor, mas sem dúdiva o estilo se redefiniu e encorpou nos tempos em que esta palavra, junto com "Karaté", explicavam perfeitamente que se tratava de uma Arte de combate Oriental.

O Kung-Fu Toa é uma amostra do vigor das Artes Marciais. O seu fundador, desaparecido após a mudança de regime no Irão, permanece em paradeiro desconhecido e, no entanto, a sua Arte continua a crescer com redobradas forças no seu país de origem. Foi através de um pioneiro incansável, Gabriele Antonini, que o Kung-Fu Toa penetrou na Europa. Inclusive nos Estados Unidos, o lugar onde se pode encontrar de tudo, por razões óbvias, existe uma desconexão forte com o acontecer do estilo no país de origem. Gabriele viaja constantemente ao Irão e resgatou para nós esta aproximação à Arte Persa por antonomásia. Para isso, ele gravou um vídeo de instrução cuidadosamente feito, onde se mostram as bases e formas deste estilo, que irá surpreender muita gente que já pensava ter visto tudo no que a Artes Marciais se refere. Um trabalho só para os muito apaixonados pelas Artes Marciais, para aqueles que pensam que nada é suficiente, para os que desejam conhecer a força e o mistério, a beleza e o poder de uma Arte que tem muito para oferecer.

O Kung-Fu Persa

O Mestre Gabriele Antonini é o responsável italiano da "International Kung-Fu Toa Federation", cuja sede está no Irão. O objectivo da federação é difundir a nível internacional esta arte marcial ainda pouco conhecida.

O Kung-Fu Toa é uma arte marcial persa, que nasce a finais dos anos sessenta. A sua criação é devida ao Grão-Mestre Ibrahim Mirzaii e foi utilizada no exército iraniano. O treino é muito duro e completo, visto tratar-se de preparar os praticantes numa arte marcial que só se utilizará para sobreviver, naqueles casos em que a vida estiver em jogo. O treino, realizado sempre antes de iniciar o estudo técnico, desenvolve resistência, força, velocidade, agilidade, flexibilidade, reflexos e tolerância à dor, tanto através do controlo mental e a utilização do Qi-Gong, como de exercícios específicos de acondicionamento.

O professor Ibrahim Mirzaii ensinou esta arte também fora do exército e em poucos anos conseguiu dezenas de milhar de alunos no Irão. O Kung-Fu Toa foi ensinado a todos: Homens e mulheres, adultos e crianças. Também se desenvolveu o aspecto filosófico da arte marcial, como um óptimo instrumento para despertar e fazer livres as mentes das novas gerações.

Com suor e prática, o Kung-Fu Toa ensina a dar o máximo de nós mesmos e, na sua aplicação à vida diária, a libertar-se das falsas necessidades e a viver uma vida mais simples. Por tratar-se de uma arte potencialmente perigosa, na qual se aprende a bater em numerosos pontos mortais, o praticante só pode utilizá-la em casos de extrema necessidade, para defender a sua vida ou a dos mais débeis. Não há espaço para a crueldade, a arrogância, a ignorância e o medo. No Kung-Fu Toa somos todos iguais, como irmãos: O importante não é a cor da pele mas sim a cor do sangue, que é igual para todos. Por isso, a cor escolhida para o cinto é vermelho como o sangue. No entanto, a cor fundamental do Kung-Fu Toa é o preto, porque absorve todas as cores, atrai energia, ajuda a conservá-la e representa a tristeza que sentimos pelas acções destrutivas levadas a cabo pelo homem.

O Kung-Fu Toa baseia-se em precisos fundamentos físicos e matemáticos e no estudo da fisiologia da energia humana, isto é, o seu fluxo através dos canais energéticos. O pensamento é dinâmico e, através do movimento, o Kung-Fu Toa permite ultrapassar os limites do pensamento para alcançar a tranquilidade da mente. A filosofia Zen é fundamental para o Kung-Fu Toa, que além de ser uma eficaz arte de combate, é uma forma de meditação dinâmica. A meditação permite-nos liberar-nos dos pensamentos inúteis e leva-nos ao conhecimento do nosso interior. Mente e corpo equilibram-se para descobrir gradualmente as nossas infinitas possibilidades. No movimento e nas técnicas do Kung-Fu Toa, o fundamental é a denominada "forma ondulatória": Os golpes seguem uma particular trajectória curva, antes de alcançarem o objectivo, de modo que acumulando potência, explodem na estrutura específica das diferentes partes do corpo humano. Assim, o golpe é rápido e chega com força explosiva, e cria-se o que na linguagem desta arte se conhece como "choque". Portanto, não é necessário possuir uma grande força física para lançar golpes eficazes. O praticante também aprende a transmitir energia dinâmica de uma técnica para outra, recolhendo-a do movimento precendente e sem a esbanjar, como se tivesse de verter água de um copo para outro sem perder nem uma só gota. Não é necessário empregar novas energias em cada ocasião, são recicladas as que já foram empregadas. O efeito é que nunca nos cansamos.

As técnicas são estudadas tanto de forma independente como em longas sequências e denominam-se formas ou "khat" (que em persa significa "linha", e faz referência à linha aplicada sobre o peito, que significa alcançar um determinado grau). Cada forma baseia-se em determinadas capacidades técnicas e em diferentes orientações no espaço: Há defesas e ataques com as pernas e as mãos; Combinações de bloqueio defensivas com braços, cotovelos, joelhos; guardas, alavancas, projecções, desarmes, estrangulamentos, derrubamentos, técnicas no ar, técnicas mortais de ataque às zonas vitais e aos orgãos exteriores e interiores e às articulações. O estudo das formas que, contêm numerosas técnicas, é fundamental para a sua aplicação prática no combate. Nas formas estão previstas reacções com respeito a um incremento paulatino quanto ao número de adversários. Ao princípio, o praticante memoriza a forma, estuda-a de maneira lenta e precisa, para plasmar o seu próprio corpo e procurar o efeito "choque" criado pelo movimento ondulatório. Quando a t+ecnica se faz precisa, o praticante deve executá-la cada vez mais depressa, para a gravar na memória do corpo. Com o tempo, já não será necessário pensar na forma ou nas técnicas, estas irão expressar-se por si sós através do corpo, irão fazer-se instintivas. Isso é muito útil durante o combate: Aprende-se a observar as acções e reacções do adversário e a antecipar-se a elas com bloqueios defensivos ou com os ataques mais apropriados.

Existem 73.000 aplicações técnicas diferentes, estruturadas em níveis de aprendizagem: Oito formas longas a mãos nuas e outras tantas com armas (Say, espada "Reykema" de um gume), além de técnicas com nunchaku, bengala comprida e punhal, assim como três formas secretas a mãos nuas, que só se ensinam a contadas pessoas. Não há final no caminho porque, chegado a este nível, o praticante deve começar a criar as suas novas combinações.

As formas trabalham o desbloqueio dos meridianos energéticos e do Chakra e são indispensáveis no combate. Ainda que pareçam espectaculares, não são uma mera exibição de movimentos estéreis, porque cada pequeno deslocamento tem um siginificado técnico preciso e muito prático.

Desenvolvem-se, principalmente, três maneiras de estudar o combate: No-contact, semi-contact e full-contact. O primeiro, ensina o praticante a aprender o ritmo, a distância e o controlo, e através de uma velocidade cada vez maior, é um óptimo método para desenvolver a resistência e a condição física na luta. O "semi-contact" utiliza-se para desenvolver uma estratégia de ataque e defesa sem bater com plena potência. Utilizam-se umas luvas ligeiras e o suspensório. O "full-contact" é um método de combate totalmente livre: É diferente do que se costuma chamar "full-contact", porque os movimentos são típicos do Kung-Fu Toa: O praticante pode praticar tudo o que aprendeu e não precisa de controlar a potência dos golpes. Além das luvas e o suspensório, aconselha-se a utilização do capacete e das protecções dentais. O método full-contact só está permitido quando o praticante alcançou um elevado nível de controlo dos seus movimentos e de resistência à dor. Também existem métodos intermédios. Quando a capacidade do praticante se vê incrementada, passa-se ao combate, aumentando paulatinamente o número de adversários.

No treino do combate é fundamental recordar que o adversário é quem nos permite constatar a nossa experiência e nos ajuda a enfrentar os nossos medos: É por isso que sempre deve existir uma relação de lealdade e respeito.

Epílogo histórico

Após a revolução, o Kung-Fu Toa foi proibido no Irão, mas continuou a ser praticado clandestinamente, nas montanhas e bosques. Aqueles que abandonaram o Irão difundiram-no no exterior. Houve quem se proclamasse como fundador desta arte (como acontece em quase todas as artes). Há dez anos legalizada a prática do Kung-Fu Toa no Irã, e foi constituída uma federação que alcançou um importante reconhecimento como uma faculdade universitária, como era na sua origem.

O Mestre Gabriele Antonini continua a seu trabalho de difusão na Itália, para perpetuar o ensino desta arte ainda pouco conhecida: A transmissão da informação e o ensino são os únicos métodos para fazer chegar uns conhecimentos tão apreciados e evitar a sua dispersão. Desta exigência nasce a ideia da edição do primeiro vídeo que recolherá as cinco primeiras formas. O louvável trabalho desempenhado por Gabriele Antonini pretende ser um tributo ao Grão-Mestre Mirzaii, porque graças à sua sapiência, centenas de milhares de praticantes, a cada dia que passa, percorrem com força o caminho da perfeição.

[Texto retirado da revista "Cinturão Negro" (Budo), nº 112]